segunda-feira, 16 de março de 2015

Pelo Tempo: "Sempre a Nouvelle Vague" (2011-04)

Tivemos a oportunidade de assistir a uma mostra de cinema da realizadora francesa Agnès Varda, no Teatro Angrense, numa iniciativa da Associação Cultural Burra de Milho, com o apoio do Instituto Francês de Portugal, e numa parceria com o Cine Clube de Ponta Delgada e Culturangra, num claro esforço de divulgação do cinema de qualidade, assim como de criar oportunidades de exibição de filmes sem hipóteses de entrar no circuito comercial.
Foram cerca de 15 curtas-metragens de Agnès Varda, uma das mais importantes cineastas da atualidade, destacando-se da sua vasta produção Duas Horas da Vida de Uma Mulher (1962), um dos porta-estandartes da Nouvelle Vague do cinema francês. Desde então muito produziu e realizou, entre a ficção e o documentário, entre a curta e a longa-metragem.
Agnès Varda nasceu na Bélgica em 1928, mas cedo se mudou para França onde estudou Literatura e Psicologia na Sorbonne, e História de Arte no Louvre. Trabalhou como fotógrafa no Teatro Nacional Popular de Paris, assim como deu início a uma carreira como fotojornalista. Realiza o seu primeiro filme aos 26 anos, em 1954, La Pointe Curte, já com indícios precursores da Nouvelle Vague francesa.
Foi casada com o realizador francês Jacques Demy, falecido em 1990, e é mãe do ator Mathieu Demy e da costureira/estilista de cinema Rosalie Varda, ambos com carreiras de sucesso. Agnès Varda foi uma das cinco pessoas a estar presente no funeral de Jim Morrison no cemitério Père Lachaise, em Paris…
Intitulada por alguma imprensa especializada como a “Avó da Nouvelle Vague”, tem um trabalho muito conotado com questões políticas e sociais, como se poderá observar por algumas das curtas-metragens a exibir.
Destacou-se também em trabalhos de parceria com outros realizadores de renome, como a sua participação nos diálogos de O Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci. Após a morte do seu marido, realizou um grande filme, em formato de tributo: Jacquot de Nantes (1991), que todos esperavam ser o seu último trabalho, pela sua idade e situação pessoal. Mas em 1995 regressa com Les Cent et Une Nuits, e desde então realizou, produziu e participou em mais de 10 filmes, com o destaque para o documentário Les Pláges d’Agnès, nomeado para vários prémios.
Rivalizando já com Manoel Oliveira, pela longa carreira, Agnès Varda é uma ensaísta do cinema, sendo principalmente as suas curtas-metragens momentos de pura intervenção social e filosófica.
Nas duas noites passaram pelo teatro cerca de 80 pessoas, número bastante significativo para sábado e domingo à noite, tendo em conta a pouca divulgação / expressão que este tipo de cinema tem na região. As opiniões foram divergentes, todos tiveram os seus filmes preferidos, mas o resultado global foi muito positivo, mesmo correndo o risco de ser cansativo assistir a vários filmes da mesma realizadora de seguida, com a mesma linguagem e dinâmica.
Ou talvez exista cada vez mais um público específico, que queira ter a oportunidade de assistir a cinema numa perspetiva artística e não somente de entretenimento, embora se possa conjugar estes dois fatores em muitas felizes ocasiões.
Destaca-se aqui o papel do Cine 9500 de Ponta Delgada e do Cineclube da Horta.
Aproveitando a boleia sobre a temática da Nouvelle Vague francesa, destaco ainda um filme de 2010, Os Dois da (Nova) Vaga, de Emmanuel Laurent, exibido recentemente pelo Cine Clube de Ponta Delgada.
Trata-se da história da amizade entre Jean-Luc Godard e François Truffaut, dois dos principais realizadores franceses de sempre. São muitos os filmes que realizaram e que marcaram a história do cinema, destacando-se Os 400 Golpes, de Truffaut e O Acossado de Godard.
Recorrendo a imagens de arquivo, a excertos dos filmes dos dois realizadores e folheando recortes de imprensa da época, o filme fala de uma década que transformou o mundo, podendo ser uma boa abordagem inicial a este movimento artístico do cinema francês, próprio da contestação dos anos sessenta. Inicialmente composto apenas por jovens realizadores sem grandes possibilidades financeiras, mas com uma vontade comum: transgredir as regras do cinema comercial.
Além dos dois nomes fundamentais já referidos, podemos ainda destacar Alain Resnais e Eric Rohmer, entre outros, e que tinham como principais características do seu trabalho a inflexibilidade com os conceitos narrativos da altura, apresentando uma montagem inesperada e original, onde geralmente não obedeciam à linearidade da própria narrativa.
Com o continuar dos anos, este extremismo foi-se diluindo, seguindo cada realizador o seu caminho, deixando um dos maiores legados da história do cinema, influenciando inclusive os realizadores da chama “Nova Hollywood”, como Robert Altman, Francis Ford Coppola ou Martin Scorsese.
O cinema mudou com esta vaga, que agora se refresca com a “jovem” Agnès Varda.

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