sexta-feira, 27 de abril de 2012

Democratização cultural (2011-02-04)


Ao longo dos anos temos vindo a olhar para o domínio da cultura com outros olhos, acompanhando a evolução económica e social do mundo, e percebendo a importância das políticas culturais no desenvolvimento de uma comunidade.
Primeiro, e talvez o mais importante, tem-se vindo a perceber que é um campo conceptual específico, ou seja, que existem especialistas em cultura. Como tema muito caro a todos, desde o património às artes de espetáculo, gera sempre alguma discussão e controvérsia, pondo facilmente em causa opções por parte dos programadores dos vários equipamentos culturais.
Mas existe um número cada vez maior de profissionais da cultura, que se formam, trabalham e aprendem diariamente com atividades que consideramos culturais. Desde os programadores culturais, aos responsáveis pela logística, passando pelos técnicos de som e luz, e aos artistas, evidentemente, representando um extenso grupo profissional, e que muito tem batalhado pelo seu reconhecimento legal.
Estabelecido o campo teórico independente, e realçada a importância das políticas culturais, não há estado ou governo, democrático ou ditatorial, que não entenda o investimento nesta área como fundamental. O seu objetivo é sempre o fortalecimento da cidadania e a inclusão social, onde todos participam, artistas, profissionais e públicos.
O que tem faltado recentemente é a participação popular – a intervenção da sociedade civil. Se as decisões sobre as políticas culturais são, e bem, centralizadas nos governos centrais e regionais, assumindo uma responsabilidade sobre a esfera pública, a iniciativa ao nível da criatividade e promoção de eventos transdisciplinares que envolvam mesmo a própria comunidade tem de partir da sociedade civil: grupos, associações ou indivíduos. À exceção de algumas galerias (privadas ou cooperativas), grupos de teatro ou associações, quase toda a intervenção cultural é feita ao nível das administrações: central, regional e sobretudo municipal.
Uma das dimensões mais importantes e mais abordadas por recentes projetos de investigação é a democratização cultural. No que diz respeito à criação e fruição, pode significar a formação e democratização da estrutura social dos públicos e dos agentes culturais, assim como a promoção de valores culturais humanistas e críticos. É um assunto de grande importância, e merece ser investigado, trabalhado e divulgado, sendo um dos principais indicadores de evolução numa sociedade, assumindo-se que quanto melhor acesso, mais democracia. Existe ainda uma definição mais perto do pensamento francófono, que se centraliza na democratização da chamada “cultura cultivada”, portanto, atividades culturais com forte cariz artístico, como a ópera, dança ou arte contemporânea.
Pela avaliação desta dimensão, podemos perceber se os investimentos e apostas que são concretizadas pelas políticas culturais postas em prática, contribuem de facto para que os equipamentos culturais estejam melhores, mais acessíveis, se o número de espectadores aumentou, se foram criadas mais associações ou grupos de artistas, e outros aspetos relacionados com a promoção dos valores democráticos.
É sempre altura de reflexão, entre ciclos políticos e sociais, e deve pretender-se o desenvolvimento constante de questões sobre democratização cultural, que provoquem reflexões várias na sociedade, dando origem a uma maior intervenção da população neste assunto, seja ela de cariz académico, associativo ou político.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

OuVido: Arcade Fire

Arcade Fire - The Suburbs (2010)

Detesto, mas detesto mesmo generalizar. Mesmo assim, acho que esta será mesmo uma daquelas bandas de referência no futuro, mesmo que durem pouco ou se matem uns aos outros, mas tem um som e uma presença incrível.
Só o facto de ser tão bom quanto o primeiro álbum, Funeral (2004), já é razão suficiente para ficar feliz por ter a oportunidade de ouvir este som. Mas com a energia e a mensagem "isto não está muito bom, mas estamos todos juntos nisto...", torna-se uma peça de referência. Aliás, de alternativo e "indie" têm cada vez menos, pois foi considerado o álbum do ano nos Grammy de 2011.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

OuVisto: o exótico Santiago

Santiago (2007)

Santiago é um filme documental do realizador brasileiro João Moreira Salles, sobre um homem peculiar, que durante 30 anos foi mordomo da família do realizador.
Santiago é um excêntrico personagem, vivendo numa "realidade" entre Hollywood e Paris, conhecedor de todas as famílias reais da Europa e dos mais importantes mestres italianos do Renascimento. É impossível não gostar deste "exótico" argentino.
Mas este tocante filme tem outro aspecto muito importante, pois o material em bruto foi filmado em 1992, e abandonado logo de seguida, pois o realizador não se sentiu em condições de continuar com o trabalho de edição, devido principalmente à morte de Santiago.
Só em 2005 volta a pegar no projecto. Trata-se então de um documentário sobre as próprias imagens que tinha captado, e de uma certa forma, influenciado Santiago a "representar". O realizador chegou a admitir que fez o filme "para se curar", pois passava por uma crise pessoal, onde inclusive tinha decidido abandonar o cinema. Ainda bem que não o fez.


quarta-feira, 18 de abril de 2012

Antero, o Grande

Antero de Quental, por Columbano Bordalo Pinheiro



Hoje relembra-se Antero de Quental, o Grande. Até o Google aderiu à homenagem, deste pensador muito à frente do seu tempo, mas que cumpriu o seu papel, contribuindo para um dos mais criativos e críticos movimentos portugueses.

Fica abaixo um dos meus poemas preferidos de Antero, um carismático homem, que no meio do seu génio e da sua loucura, disse, pouco tempo antes da sua morte, a uns amigos em Lisboa: "Descansa-se!... se no tédio doloroso de nós mesmos encontramos a força para nos sumirmos."


Evolução

Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo 
tronco ou ramo na incógnita floresta... 
Onda, espumei, quebrando-me na aresta 
Do granito, antiquíssimo inimigo... 

Rugi, fera talvez, buscando abrigo 
Na caverna que ensombra urze e giesta; 
O, monstro primitivo, ergui a testa 
No limoso paúl, glauco pascigo... 

Hoje sou homem, e na sombra enorme 
Vejo, a meus pés, a escada multiforme, 
Que desce, em espirais, da imensidade... 

Interrogo o infinito e às vezes choro... 
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro 
E aspiro unicamente à liberdade. 

Antero de Quental, in "Sonetos"

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Uma questão de ótica - Felice Varini



Felice Varini - Cinq ellipses ouvertes (2009)
 

Felice Varini - Rettongoli gialli concentrici senza angoli al suolo (1997)

Felice Varini é um daqueles casos que tão delicadamente junta a matemática à arte, sendo conhecido quase exclusivamente pelo seu trabalho de ilusão ótica, onde cada uma das suas pinturas pode ser apreciada apenas de um determinado ponto de vista - de outra qualquer perspetiva, o seu trabalho parece um caótico amontoado de pinturas aleatórias.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Como a Arte Fez o Mundo (2011-01)


São vários os episódios de uma série com o título homónimo deste artigo (How Art Made the World), produzida pela BBC em 2005, e que foi um relativo sucesso por todo o planeta, com uma certa dose de controvérsia, não fosse esta temática em torno da arte sempre muito subjectiva e com várias interpretações.
No seu primeiro episódio traça uma importante relação sobre arte e sociedade, numa abordagem com traços de antropologia, história da arte, sociologia e teoria das religiões, ficando clara a importância da arte na evolução das civilizações.
O corpo humano tem um grande impacto enquanto imagem na nossa vida, orientando mesmo o nosso destino, tendo ao longo dos séculos obcecado muitos artistas, das mais variadas áreas.
Mas tem sempre algo em comum, e que à primeira vista nos pode passar despercebida: uma maneira exagerada de representação do corpo humano, nada realista. Até uma das mais antigas manifestações artísticas da forma humana, a famosa Vénus de Willendorf, com 25 mil anos, e cerca de 4 cm de altura, é claramente irrealista, com os seios, estômago, quadris e coxas grotescamente grandes. Pode de facto ter sido um símbolo à fertilidade e maternidade desta sociedade nómada e colectiva onde foi criada, mas isso não explica o exagero das formas já referido.
Desde a actual Rússia até ao sul do Mediterrâneo foram encontradas várias estátuas ao longo dos tempos, do mesmo género da Vénus de Willendorf, sempre com a presença do factor exagero, o que vem comprovar que não se tratou de um caso isolado, mas sim de uma reacção do cérebro humano.
Alguns estudos de impacto, pelo reconhecido neurologista Vilayanur Ramachandran (Universidade de San Diego), defendem que o nosso cérebro gosta de algo sem perceber porquê, ou seja, os nossos cérebros estariam pré-programados para gostar do exagero de certas partes, que mais interessariam num determinado contexto cultural.
Muitos anos depois, numa outra civilização, com uma organização social muito mais complexa e evoluída, temos outro momento marcante da história da arte: os egípcios. Com as suas obsessivas representações nada realistas da figura humana, com a cara sempre de perfil, os braços para o mesmo lado e todos os dedos das mãos com o mesmo comprimento (entre outras facetas), e que se repetem por milhares de pinturas que restam daquela época.
Durante cerca de 3000 anos os egípcios mantiveram inalterável a imagem que tinham do corpo humano, pois sendo uma sociedade obcecada com a ordem e a precisão, criaram uma esquadria que regia as proporções de um desenho de um ser humano – todas as imagens eram iguais em tamanho e proporção! Isso era o verdadeiro símbolo de ordem.
Assim, os egípcios não criavam estas figuras por causa do seu cérebro, mas sim por causa da sua cultura, no sentido mais lato, do seu contexto cultural! As sociedades em que vivemos, os valores que criamos para essas sociedades, são quem determinam como representamos o corpo humano, assim como nos estruturam para vivermos nelas.
A história continua, e há cerca de 2500 anos, noutra civilização fundamental da história da humanidade, a grega, vamos encontrar novas informações. Os gregos eram fixados no corpo humano e no belo, cuja imagem de perfeição era o corpo atlético, levado ao exagero. Achavam que os Deuses tinham formas humanas e que eram belos, logo, quanto mais belo (leia-se atlético) fosse um homem, mais perto estava da divindade.
Ao longo de algumas gerações foram evoluindo a sua escultura, até encherem muitos dos seus templos com estátuas realistas dos seus deuses. E esta técnica de construção de grandes estátuas tem origem num encontro com a civilização egípcia, povos antes de costas voltadas, mas que em 600 a.C. se influenciaram mutuamente num feliz acaso, relacionado com um episódio de guerra.
Vieram então adicionar a sua excelente técnica de trabalhar a pedra ao sentido realista dos gregos, passando estes a estudar intensivamente todos os detalhes do corpo humano ao pormenor.
Pela primeira vez na história da humanidade tinha-se criado uma imagem realista e verdadeiramente natural do Homem. Os gregos tinham assim atingido o seu grande objectivo: a arte como uma perfeita imitação da vida. Mas apenas uma geração depois, abandonam esse realismo, baseado como sempre naquele constante instinto para o exagero. Procuramos sempre algo mais humano do que os próprios humanos!
E os gregos encontraram-no, superando os pormenores e criando uma perfeição artística, nas estátuas conhecidas como “Bronzes de Riace”, onde levaram o detalhe até ao literalmente impossível: com músculos abdominais impossíveis de atingir, pernas mais longas com vista a equilibrar a relação entre pernas e tronco e outras técnicas mais.
Exageraram a realidade para criar um corpo irrealista, como posteriormente Michaelangelo faria, sempre tendo por base o instinto de exagero. Os impressionistas exageraram na luz e na cor, ao invés da forma. E nos nossos dias temos, por exemplo, a BD e os estereótipos das modelos femininas da moda, para não falar da arte contemporânea, onde o exagero é regra!
Assim, claramente se vê a importância da arte na nossa própria concepção de sociedade, estando desde a nossa origem civilizacional, até aos dias de hoje, sempre presente, destacando-se o seu importante papel actualmente, o de desenvolvimento social.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

OuVido: The Smiths

The Smiths - The Queen is Dead (1986)


Um clássico, este terceiro álbum dos The Smiths, lançado tinha eu apenas 10 aninhos. Obviamente só o ouvi mais tarde, já nos tempos de universidade, onde a irreverência com qualidade e lirismo desta banda me cativou, principalmente com este álbum.
Basicamente, são os The Smiths no seu melhor, com letras inteligentes, revolucionárias e poéticas, das baladas às guitarradas, sempre com o doce timbre de Morissey na voz.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Leituras: A Linguagem Cinematográfica

Marcel Martin - A Linguagem Cinematográfica (2005, Dinalivro)

Em 1955 é publicado pela primeira vez, em França, “A Linguagem Cinematográfica” da autoria de Marcel Martin, um dos grandes críticos, ensaístas e historiadores da sétima arte.

Esta iniciação à estética e à história do cinema, através da análise de procedimentos de expressão da linguagem fílmica, constituiu um enorme sucesso editorial, particularmente junto de um público jovem contagiado pelo fenómeno da “nouvelle vague” e ávido de melhor compreender o cinema e a especificidade da sua linguagem. A sua publicação em Portugal ocorre apenas em 1971, numa edição há muito esgotada.
Em 1985 é impressa, em França, uma nova versão desta obra revista e aumentada com a colaboração de Olivier Barrot. É esta edição que agora é dada à estampa, pela Dinalivro, numa tradução de Lauro António e Maria Eduarda Colares.
A profundidade da análise das obras citadas e a inteligência da argumentação concorrem para manter a actualidade deste estudo clássico indispensável para estudantes, amantes e praticantes da arte das imagens em movimento.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

OuVisto

Viagem a Portugal (2011)

Surpreendente filme, numa primeira experiência em ficção do cineasta Sérgio Tréfaut, um dos maiores nomes do cinema documental em Portugal. Retrata as intensas horas de um casal separado, devido a burocracias dos Serviços de Estrangeiros num aeroporto português. Boa filmagem, boa representação, intenso e claro.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Filho de Peixe...

Taylor McFerrin - The Song I Promissed You

A ouvir, pela primeira vez, o génio de Taylor McFerrin, DJ, produtor, teclista e vocalista, entre outros... Com um nome desses, não me enganas - só pode ser filho do grande Bobby McFerrin. E viva a genética mais uma vez, com alguns toques de influência cultural e ambiente familiar, cria-se um artista ultra versátil, que cruza o jazz, hip hop e soul, sempre numa linguagem contemporânea, inovadora e provocadora.
Vamos lá a ver no que isto dá.



terça-feira, 3 de abril de 2012

Charta murum*

* papel de parede
Agnes Denes - Wheatfield - A Confrontation (Before Planting) (1982) 

Agnes Denes - Wheatfield - A Confrontation (Green Wheat) (1982)

Agnes Denes - Wheatfield - A Confrontation (Harvest) (1982) 

Agnes Denes - Wheatfield - A Confrontation (1982) 
A magnífica Agnes Denes, uma das "divas" da land art atual, marcou o seu percurso com um trabalho em 1982, denominado Wheatfield - A Confrontation, onde plantou um campo de trigo num terreno abandonado na baixa de Manhattan, Nova Iorque, um dos terrenos mais caros da cidade.
As questões que levantou são intermináveis, ao gosto de cada um, tendo sido colhidas mais de 1000 libras de trigo, posteriormente doados. E as fotografias ficaram.
Uma realidade bastante alterada...