sexta-feira, 8 de março de 2019

Pelo Tempo: "Políticas Culturais, Programação Cultural e Cinema" (Abril de 2014)

O conceito de “políticas culturais” é actualmente um termo corrente, assim como a importância da sua definição e estratégias para a sua implementação. Se de facto foi um termo afastado dos primeiros governos nacionais, regionais e locais, nos dias que correm são um dos destacados factores de desenvolvimento socioeconómico de qualquer cidade, região ou país, para não falar na sua extrema importância a nível europeu e intra-regional.
A sua principal ferramenta no terreno é a programação cultural, tema que tem vindo a ser trabalhado com muito afinco em várias universidades de todo o mundo nas últimas décadas, com óbvias e históricas diferenças entre culturas, como é o caso anglo-saxónico e o francês, assim como o norte-americano, três sociedades que se destacam no estudo da gestão e programação cultural.
Entre nós (Portugal), está mais do que aceite, defendido e posto em acção uma estratégia que prima pela mediação e diversidade, abrangendo todas as áreas da sociedade, promovendo e desafiando os criadores locais e desenvolvendo uma forte ligação às pessoas, nomeadamente ao público em idade escolar e aos idosos.
Nos Açores estes conceitos apenas começam a surgir com algum realce e atenção no fim da década de 90, vindo o exemplo do próprio governo regional, seguindo o executivo de Carlos César o caminho trilhado com o revolucionário Ministério da Cultura de Manuel Maria Carrilho.
Podemos utilizar o cinema com exemplo, rematando a teoria com a prática, numa cidade como Angra, historicamente relacionada com a cultura. Essa longa relação com a “sétima arte” é ainda influência da presença norte-americana na ilha, mas também das inquisitivas e sedentas mentes dos cinéfilos, como é exemplo a criação de um cineclube em 1977.
Ao longo dos anos foram várias as salas de cinema na cidade, até à decadência mundial que os cinemas passaram com o desenvolvimento dos leitores de vídeo e os consequentes clubes de vídeo, nas décadas de 1980 e 1990. Tornou-se então necessário que a autarquia angrense assumisse o compromisso de manter a exibição regular de cinema comercial na cidade – e assim o tem feito desde a inauguração do Centro Cultural.
Durante muitos anos essa exibição foi deficitária, devido principalmente aos elevados custos de transporte das bobines, coincidindo com o período de crise já referido, mas acima de tudo, do download ilegal de filmes da internet.
Mantendo sempre o seu compromisso para com o público angrense, a autarquia investiu recentemente na aquisição de um projector de alta definição, com a capacidade de exibição de filmes em 3D, passando os filmes a estarem disponíveis no formato DCP (um pequeno disco externo), em vez das pesadas e onerosas bobines de película.
Desde então o cinema em Angra tem vivido uma época dourada, com salas repletas de público, assistindo aos filmes de grande êxito comercial, e ao mesmo tempo que estreiam no resto do país e da Europa, cumprindo a sua missão de entretenimento.
Ao mesmo tempo, e regressando à parte inicial do texto, Angra tem mantido sempre a sua relação com outros públicos do cinema, nomeadamente na realização de vários Encontros de Cinema (década de 90), que resultaria num Festival Internacional, de grande impacto, e nos últimos anos no apoio e parceria a eventos como a extensão do IndieLisboa (desde 2007), o expoente máximo do cinema criativo a nível nacional, assim como eventuais mostras de cinema de autor, organizados pela autarquia.
Com o reavivar do Cineclube da Ilha Terceira conclui-se o que aparenta ser uma importante época para o cinema em Angra e também na região, como é o caso das mostras de cinema “Amostram’isse” e “Panazorean”, em exibição por várias ilhas e cidades do continente português, e ainda junto das comunidades emigradas.
Termino com um pormenor que simboliza o impacto que uma programação cuidada pode ter: no passado dia 7 de maio, realizou-se uma sessão de cinema dedicada a António Dacosta e ao Surrealismo, no Auditório da Escola Tomás de Borba, em parceria com o Cineclube da Ilha Terceira, com cerca de 150 ávidos e curiosos alunos, assim como os seus responsáveis professores. No fim da sessão uma das alunas dirigiu-se a um elemento da organização e resumiu de facto tudo: “é bem fixe!”

Miguel Rosa Costa (www.aviventar.blogspot.pt)


PS. para reflexão, dos altos, dos baixos, e de alguma teoria...