São
vários os episódios de uma série com o título homónimo deste artigo (How Art
Made the World), produzida pela BBC em 2005, e que foi um relativo sucesso por
todo o planeta, com uma certa dose de controvérsia, não fosse esta temática em
torno da arte sempre muito subjectiva e com várias interpretações.
No
seu primeiro episódio traça uma importante relação sobre arte e sociedade, numa
abordagem com traços de antropologia, história da arte, sociologia e teoria das
religiões, ficando clara a importância da arte na evolução das civilizações.
O
corpo humano tem um grande impacto enquanto imagem na nossa vida, orientando
mesmo o nosso destino, tendo ao longo dos séculos obcecado muitos artistas, das
mais variadas áreas.
Mas
tem sempre algo em comum, e que à primeira vista nos pode passar despercebida:
uma maneira exagerada de representação do corpo humano, nada realista. Até uma
das mais antigas manifestações artísticas da forma humana, a famosa Vénus de
Willendorf, com 25 mil anos, e cerca de 4 cm de altura, é claramente
irrealista, com os seios, estômago, quadris e coxas grotescamente grandes. Pode
de facto ter sido um símbolo à fertilidade e maternidade desta sociedade nómada
e colectiva onde foi criada, mas isso não explica o exagero das formas já
referido.
Desde
a actual Rússia até ao sul do Mediterrâneo foram encontradas várias estátuas ao
longo dos tempos, do mesmo género da Vénus de Willendorf, sempre com a presença
do factor exagero, o que vem comprovar que não se tratou de um caso isolado,
mas sim de uma reacção do cérebro humano.
Alguns
estudos de impacto, pelo reconhecido neurologista Vilayanur Ramachandran (Universidade de San
Diego), defendem que o nosso cérebro gosta de algo sem perceber porquê, ou
seja, os nossos cérebros estariam pré-programados para gostar do exagero de
certas partes, que mais interessariam num determinado contexto cultural.
Muitos anos depois, numa outra
civilização, com uma organização social muito mais complexa e evoluída, temos
outro momento marcante da história da arte: os egípcios. Com as suas obsessivas
representações nada realistas da figura humana, com a cara sempre de perfil, os
braços para o mesmo lado e todos os dedos das mãos com o mesmo comprimento
(entre outras facetas), e que se repetem por milhares de pinturas que restam
daquela época.
Durante cerca de 3000 anos os
egípcios mantiveram inalterável a imagem que tinham do corpo humano, pois sendo
uma sociedade obcecada com a ordem e a precisão, criaram uma esquadria que
regia as proporções de um desenho de um ser humano – todas as imagens eram
iguais em tamanho e proporção! Isso era o verdadeiro símbolo de ordem.
Assim, os egípcios não criavam
estas figuras por causa do seu cérebro, mas sim por causa da sua cultura, no
sentido mais lato, do seu contexto cultural! As sociedades em que vivemos, os
valores que criamos para essas sociedades, são quem determinam como
representamos o corpo humano, assim como nos estruturam para vivermos nelas.
A história continua, e há cerca
de 2500 anos, noutra civilização fundamental da história da humanidade, a
grega, vamos encontrar novas informações. Os gregos eram fixados no corpo
humano e no belo, cuja imagem de perfeição era o corpo atlético, levado ao
exagero. Achavam que os Deuses tinham formas humanas e que eram belos, logo,
quanto mais belo (leia-se atlético) fosse um homem, mais perto estava da
divindade.
Ao longo de algumas gerações
foram evoluindo a sua escultura, até encherem muitos dos seus templos com
estátuas realistas dos seus deuses. E esta técnica de construção de grandes
estátuas tem origem num encontro com a civilização egípcia, povos antes de
costas voltadas, mas que em 600 a.C. se influenciaram mutuamente num feliz
acaso, relacionado com um episódio de guerra.
Vieram então adicionar a sua
excelente técnica de trabalhar a pedra ao sentido realista dos gregos, passando
estes a estudar intensivamente todos os detalhes do corpo humano ao pormenor.
Pela primeira vez na história da
humanidade tinha-se criado uma imagem realista e verdadeiramente natural do
Homem. Os gregos tinham assim atingido o seu grande objectivo: a arte como uma
perfeita imitação da vida. Mas apenas uma geração depois, abandonam esse
realismo, baseado como sempre naquele constante instinto para o exagero. Procuramos
sempre algo mais humano do que os próprios humanos!
E os gregos encontraram-no,
superando os pormenores e criando uma perfeição artística, nas estátuas
conhecidas como “Bronzes de Riace”, onde levaram o detalhe até ao literalmente
impossível: com músculos abdominais impossíveis de atingir, pernas mais longas
com vista a equilibrar a relação entre pernas e tronco e outras técnicas mais.
Exageraram a realidade para criar
um corpo irrealista, como posteriormente Michaelangelo faria, sempre tendo por
base o instinto de exagero. Os impressionistas exageraram na luz e na cor, ao
invés da forma. E nos nossos dias temos, por exemplo, a BD e os estereótipos
das modelos femininas da moda, para não falar da arte contemporânea, onde o
exagero é regra!
Assim, claramente se vê a
importância da arte na nossa própria concepção de sociedade, estando desde a
nossa origem civilizacional, até aos dias de hoje, sempre presente,
destacando-se o seu importante papel actualmente, o de desenvolvimento social.
Sem comentários:
Enviar um comentário