Foi com rasgos de saudosismo que assisti no passado sábado ao Festival RTP da Canção, em ambiente familiar, após uma magnífica refeição. Acho que é mesmo suposto ser assim.
Este que já foi um evento aglutinador de toda a população portuguesa com acesso à televisão, vem desde 1964 a criar músicas populares de sucesso, assim como lançando carreiras artísticas de muito sucesso comercial.
Com o objectivo de escolher o representante da televisão pública portuguesa para participar no Festival Eurovisão da Canção, já passou por vários formatos e por vários momentos de sucesso e desgraça.
Em tempos que a palavra Europa tinha outro significado, tinha outra distância, escolher alguém para representar o pequenino e esquecido Portugal era de facto um momento ilustre. O peso deste festival, como de outros momentos da televisão portuguesa, é hoje em dia difícil de compreender pelas gerações mais novas, tendo atingido o seu auge numa época sem televisão por cabo, internet e outras ferramentas de comunicação e entretenimento contemporâneas.
Vários cantores marcaram diferentes gerações de portugueses, como o exemplo de Simone Oliveira e Carlos Mendes nos anos 60 e 70, Carlos Paião, José Cid e as Doce nos anos 80, e mais recentemente Sara Tavares e Lúcia Moniz, nos anos 90, esta última com a melhor classificação de sempre, o 6º lugar!
Se já seria difícil justificar a continuação do festival nos anos 90, ainda algumas canções de sucesso surgiram, o que não aconteceu nos últimos anos, tendo o próprio formato do concurso lutado pela sua modernização, o que não aconteceu. Até sábado passado!
Com 12 canções a concurso, o modelo este ano seguia a habitual votação dos 18 distritos continentais mais Açores e Madeira, pontuando de 1 a 12, o que correspondia a 50% da classificação. Terminada essa votação, a restante pontuação veio literalmente do “povo”, pois foi recolhida na base do televoto, dando a vitória, com 26%, a quem menos as pessoas esperavam: os Homens da Luta!
Então, lá vão eles representar Portugal a Düsseldorf, na Alemanha, com uma cantiga e uma postura “contra a reacção”, intitulada “Luta é Alegria”. O público presente no Teatro Camões não gostou. Os bloguistas fãs do Festival da Canção não gostaram. Muitas pessoas acham que vão denegrir a imagem de Portugal… Mas não foi o “povo” que votou?
É de realçar que o segundo classificado pela votação telefónica foi Rui Andrade, com apenas 12% dos votos! É uma grande vitória! É também obviamente uma vitória da juventude, da rebeldia e da irreverência.
Por outro lado, alguns votos podem também ter vindo de gerações mais velhas, que já não compreendem a necessidade da existência de um festival deste género ou ainda de um grupo da população que simplesmente gostou do ar “festivaleiro” que os Homens da Luta tiveram em palco.
Mesmo com todos estes contornos de democracia e liberdade, metade da plateia abandonou o teatro, e muitos dos que ficaram assobiaram e apuparam os vencedores. Não foi bonito…
A canção vencedora tem letra de Jel e música de Vasco Duarte, mais conhecidos por Neto e Falâncio, enquanto personagens dos “Homens da Luta”, onde brincam com o conceito de música de intervenção, caricaturando um tempo que se identifica com esse estilo, os anos 70 e o 25 de Abril.
Mas, desde quase sempre, a brincar se diz a verdade, e é este o caso aqui, como se viu na atribuição do prémio de canção vencedora, onde Vasco Duarte afirmou: “A música dos Homens da Luta é dedicada ao povo. E àqueles que estão desempregados e passam mal no nosso país.”
A luta continua, de facto, numa nova linguagem, onde a ironia e a irreverência continuam a ter força.
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