No passado dia 20 de
dezembro a comunidade artística ficou chocada, embora não surpreendida, com a
notícia da prisão do realizador de cinema iraniano Jafar Panahi. Foi condenado
a seis anos de prisão, assim como proibido de realizar algum filme durante
vinte anos! Além disso, é-lhe também negado o direito de escrever argumentos,
viajar para o estrangeiro e de dar entrevistas, nacionais ou estrangeiras.
Este proeminente realizador
iraniano já tinha sido preso em julho de 2009, por apoiar o candidato
oposicionista Moussavi, nas violentas manifestações que se seguiram à reeleição
de Ahmadinejad. Depois de uma greve de fome de cerca de 90 dias, acabou por ser
libertado, para posteriormente ser preso novamente por propaganda contra o regime.
Durante todo este processo
já várias figuras proeminentes do cinema manifestaram o repúdio por esta
situação, apoiando o realizador e chamando a atenção do mundo diplomático, com
destaque para Steven Spielberg, Juliette Binoche e Martin Scorsese.
Também os governos da
França, Alemanha, Finlândia e Canadá apresentaram a sua indignação sobre o
processo, que segundo algumas fontes tem a ver com o facto de o realizador ter
a intenção de fazer um filme sobre o movimento oposicionista no Irão.
Jafar Panahi é um dos
realizadores iranianos mais influentes da atualidade, inserido no chamado
movimento “New Wave” do cinema persa. Reconhecido pela crítica e teóricos da
sétima arte por todo o mundo, já ganhou importantes prémios nos principais
festivais de cinema do planeta, como o Leão de Outro no Festival de Veneza ou o
Urso de Prata no Festival de Berlim.
Aos dez anos de idade
escreveu o seu primeiro livro, acabando por conquistar o seu primeiro prémio
com essa obra, começando a fazer pequenos filmes com uma câmara de 8 mm.
Posteriormente estudou cinema na Universidade de Cinema e Televisão de Teerão,
e realizou alguns filmes para televisão. Trabalhou ainda como assistente de
Abbas Kiarostami, a principal referência cinematográfica no Irão e uma sumidade
a nível mundial. Desde então tem realizado vários filmes de sucesso e ganho
vários prémios.
O seu primeiro filme a
chamar atenção internacionalmente foi “Badkonake Sefid” (“O Balão Branco”), que
chegou a receber uma menção no Festival de Cannes, em 1995, mas foi com “Dayehreh”
(“O Círculo”), em 2000, que maravilhou a crítica e os amantes de cinema, num
ataque ao terrível tratamento das mulheres no regime islâmico do Irão, ganhando
o Leão de Ouro no Festival de Veneza, entre outros prémios noutros festivais.
Em 2006 foi a vez de
arrecadar o Urso de Prata no Festival de Berlim, com o filme “Offside” (“Fora
do Jogo”), com uma ternurenta história sobre um grupo de raparigas que se
disfarçam de rapazes com vista a poderem assistir a jogos de futebol, vedados
às mulheres no Irão.
Atualmente com 50 anos de
idade, Panahi já fez parte também do júri de grandes festivais por todo o
mundo. A nível do seu estilo cinematográfico, pode ser descrito como
neorrealista, com uma ficção a roçar o documentário, e com uma crítica social
mordaz, mais explícita do que Kiarostami, para comparação. Aborda temas
humanitários contemporâneos do seu Irão, especificamente problemas relacionados
com a situação da mulher neste regime, mas também com uma mensagem de
esperança.
Para os menos atentos, pode parecer
ridículo estar a dar tanta atenção a um cineasta de um país tão distante e com
provavelmente filmes pavorosos de homens com túnicas e bigodes e espancar
mulheres de burka! O cinema no Irão é
uma grande indústria, em pleno período de crescimento, e com uma longa história
de produção interna e de prémios internacionais. Por todo o planeta a
cinematografia iraniana é louvada, sendo, juntamente com a China, a nação
emergente do cinema na década de 90, com ciclos e mostras de por todo o mundo.
Embora atualmente o discurso
mediático sobre esta região do planeta esteja fortemente conotada com os
regimes totalitaristas e influências de grupos terroristas, é a base de uma das
mais antigas e grandes civilizações do planeta, a Persa. Donos de um passado
histórico e patrimonial riquíssimo, possuem uma história das mais antigas e
complexas a nível artístico. No que diz respeito ao cinema, e passando alguns
séculos para a frente, existem vestígios desde o fim do século XIX, tendo a
primeira sala de cinema sido inaugurada em 1904, e cerca de 20 anos depois,
criada a primeira escola dedicada ao cinema.
Durante os anos 30
produziram muitos filmes mudos, de cariz interno obviamente, desenvolvendo a
indústria ao longo dos anos seguinte, tendo na década de 60 a produção de cerca
de 25 filmes por ano! Foram realizadores como Siamak Yasami e Masud Kimiaie que
catapultaram a economia do cinema iraniano nesta década, alterando o panorama
deste definitivamente. Vários festivais foram realizados desde os anos 40 e 50,
mas uniram-se todos em 1973 no grande festival de cinema de Teerão, atualmente
reconhecido internacionalmente.
Mas foi o realizador Abbas
Kiarostami que colocou o cinema iraniano no mapa mundial, ao ganhar a Palma de
Ouro do Festival de Cannes em 1997, com “Taste of Cherry”, considerado
juntamente com Panahi, os grandes representantes do cinema iraniano desde o fim
da década de 70. Em 2006, seis filmes iranianos chegaram à fase final do
Festival de Berlim, um dos maiores do mundo, tendo esse facto sido noticiado por
toda a comunicação social especializada. Kiarostami é mesmo considerado um dos
últimos grandes realizadores do mundo vivos.
É curioso como num estado
com um regime tão duro o cinema consegue ser uma das indústrias em crescendo,
visto que a censura é real, intensa e abrangente. Muitos dos grandes filmes dos
vários realizadores iranianos agora conhecidos foram banidos do país e apenas
apresentados fora dele. Todos os filmes de Panahi foram banidos do Irão.
Jafar Panahi é um homem de
coragem, um artista e um patriota para todos os efeitos, tentando através do
seu trabalho, promover um desenvolvimento social justo e democrático no seu
país. O regime iraniano, por conhecer o verdadeiro poder do cinema prendeu-o,
como inimigo do estado.
Que da injustiça sobre o trabalho
artístico e humanidade de Jafar Panahi se faça luz, e um pequeno passo seja
dado em direção à liberdade no Irão.
PS. Panahi continua sobre vigilância e prisão domiciliária no Irão. Continuará a ser um génio aprisionado.
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