quinta-feira, 29 de março de 2012

O Guerreiro Persa (2011-01-26)


No passado dia 20 de dezembro a comunidade artística ficou chocada, embora não surpreendida, com a notícia da prisão do realizador de cinema iraniano Jafar Panahi. Foi condenado a seis anos de prisão, assim como proibido de realizar algum filme durante vinte anos! Além disso, é-lhe também negado o direito de escrever argumentos, viajar para o estrangeiro e de dar entrevistas, nacionais ou estrangeiras.
Este proeminente realizador iraniano já tinha sido preso em julho de 2009, por apoiar o candidato oposicionista Moussavi, nas violentas manifestações que se seguiram à reeleição de Ahmadinejad. Depois de uma greve de fome de cerca de 90 dias, acabou por ser libertado, para posteriormente ser preso novamente por propaganda contra o regime.
Durante todo este processo já várias figuras proeminentes do cinema manifestaram o repúdio por esta situação, apoiando o realizador e chamando a atenção do mundo diplomático, com destaque para Steven Spielberg, Juliette Binoche e Martin Scorsese.
Também os governos da França, Alemanha, Finlândia e Canadá apresentaram a sua indignação sobre o processo, que segundo algumas fontes tem a ver com o facto de o realizador ter a intenção de fazer um filme sobre o movimento oposicionista no Irão.
Jafar Panahi é um dos realizadores iranianos mais influentes da atualidade, inserido no chamado movimento “New Wave” do cinema persa. Reconhecido pela crítica e teóricos da sétima arte por todo o mundo, já ganhou importantes prémios nos principais festivais de cinema do planeta, como o Leão de Outro no Festival de Veneza ou o Urso de Prata no Festival de Berlim.
Aos dez anos de idade escreveu o seu primeiro livro, acabando por conquistar o seu primeiro prémio com essa obra, começando a fazer pequenos filmes com uma câmara de 8 mm. Posteriormente estudou cinema na Universidade de Cinema e Televisão de Teerão, e realizou alguns filmes para televisão. Trabalhou ainda como assistente de Abbas Kiarostami, a principal referência cinematográfica no Irão e uma sumidade a nível mundial. Desde então tem realizado vários filmes de sucesso e ganho vários prémios.
O seu primeiro filme a chamar atenção internacionalmente foi “Badkonake Sefid” (“O Balão Branco”), que chegou a receber uma menção no Festival de Cannes, em 1995, mas foi com “Dayehreh” (“O Círculo”), em 2000, que maravilhou a crítica e os amantes de cinema, num ataque ao terrível tratamento das mulheres no regime islâmico do Irão, ganhando o Leão de Ouro no Festival de Veneza, entre outros prémios noutros festivais.
Em 2006 foi a vez de arrecadar o Urso de Prata no Festival de Berlim, com o filme “Offside” (“Fora do Jogo”), com uma ternurenta história sobre um grupo de raparigas que se disfarçam de rapazes com vista a poderem assistir a jogos de futebol, vedados às mulheres no Irão.
Atualmente com 50 anos de idade, Panahi já fez parte também do júri de grandes festivais por todo o mundo. A nível do seu estilo cinematográfico, pode ser descrito como neorrealista, com uma ficção a roçar o documentário, e com uma crítica social mordaz, mais explícita do que Kiarostami, para comparação. Aborda temas humanitários contemporâneos do seu Irão, especificamente problemas relacionados com a situação da mulher neste regime, mas também com uma mensagem de esperança.
Para os menos atentos, pode parecer ridículo estar a dar tanta atenção a um cineasta de um país tão distante e com provavelmente filmes pavorosos de homens com túnicas e bigodes e espancar mulheres de burka! O cinema no Irão é uma grande indústria, em pleno período de crescimento, e com uma longa história de produção interna e de prémios internacionais. Por todo o planeta a cinematografia iraniana é louvada, sendo, juntamente com a China, a nação emergente do cinema na década de 90, com ciclos e mostras de por todo o mundo.
Embora atualmente o discurso mediático sobre esta região do planeta esteja fortemente conotada com os regimes totalitaristas e influências de grupos terroristas, é a base de uma das mais antigas e grandes civilizações do planeta, a Persa. Donos de um passado histórico e patrimonial riquíssimo, possuem uma história das mais antigas e complexas a nível artístico. No que diz respeito ao cinema, e passando alguns séculos para a frente, existem vestígios desde o fim do século XIX, tendo a primeira sala de cinema sido inaugurada em 1904, e cerca de 20 anos depois, criada a primeira escola dedicada ao cinema.
Durante os anos 30 produziram muitos filmes mudos, de cariz interno obviamente, desenvolvendo a indústria ao longo dos anos seguinte, tendo na década de 60 a produção de cerca de 25 filmes por ano! Foram realizadores como Siamak Yasami e Masud Kimiaie que catapultaram a economia do cinema iraniano nesta década, alterando o panorama deste definitivamente. Vários festivais foram realizados desde os anos 40 e 50, mas uniram-se todos em 1973 no grande festival de cinema de Teerão, atualmente reconhecido internacionalmente.
Mas foi o realizador Abbas Kiarostami que colocou o cinema iraniano no mapa mundial, ao ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1997, com “Taste of Cherry”, considerado juntamente com Panahi, os grandes representantes do cinema iraniano desde o fim da década de 70. Em 2006, seis filmes iranianos chegaram à fase final do Festival de Berlim, um dos maiores do mundo, tendo esse facto sido noticiado por toda a comunicação social especializada. Kiarostami é mesmo considerado um dos últimos grandes realizadores do mundo vivos.
É curioso como num estado com um regime tão duro o cinema consegue ser uma das indústrias em crescendo, visto que a censura é real, intensa e abrangente. Muitos dos grandes filmes dos vários realizadores iranianos agora conhecidos foram banidos do país e apenas apresentados fora dele. Todos os filmes de Panahi foram banidos do Irão.
Jafar Panahi é um homem de coragem, um artista e um patriota para todos os efeitos, tentando através do seu trabalho, promover um desenvolvimento social justo e democrático no seu país. O regime iraniano, por conhecer o verdadeiro poder do cinema prendeu-o, como inimigo do estado.
Que da injustiça sobre o trabalho artístico e humanidade de Jafar Panahi se faça luz, e um pequeno passo seja dado em direção à liberdade no Irão.

PS. Panahi continua sobre vigilância e prisão domiciliária no Irão. Continuará a ser um génio aprisionado.

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