terça-feira, 23 de outubro de 2012

Uma Coisa em Forma de Assim (2011-07-08)


Mesmo numa quarta-feira, mesmo sem ser no Teatro Angrense, e em pleno momento de crise, foi louvável a iniciativa da Culturangra em brindar a cidade com o espetáculo “Uma Coisa em Forma de Assim”, da Companhia Nacional de Bailado.
Com uma casa quase cheia, o espetáculo acabou por resultar no grande auditório do Centro Cultural, algo que alguns elementos do público temiam, ou pelo simples facto de preferirem sempre o já referido espaço.
Seria louvável que todas as grandes instituições públicas com responsabilidades na arte promovessem digressões nacionais, uma das melhores formas de levar a todo o território, principalmente ilhas, espetáculos de grande qualidade, e acima de tudo, de grande atualidade, pelo menos no panorama nacional.
Neste caso suplantou-se esse mesmo propósito, pois trata-se de uma obra criada por alguns dos mais importantes coreógrafos portugueses, a convite da Companhia Nacional de Bailado, ficando a composição e interpretação musical a cargo de Bernardo Sassetti.
A ideia teve origem com vista a assinalar o Dia Mundial da Dança, no passado dia 29 de abril, juntando os coreógrafos Francisco Camacho, Clara Andermatt, Benvindo Fonseca, Rui Lopes Graça, Rui Horta, Paulo Ribeiro, Olga Roriz, Madalena Victorino e Vasco Wellenkamp, artistas com trabalhos muito distintos, para trabalhar com os bailarinos residentes da companhia, e com a magnífica oportunidade de ter a música interpretada ao vivo pelo próprio autor.
Durante junho e julho a companhia partiu então em digressão por todo o país, cabendo-nos na sorte Angra do Heroísmo (CCCAH, 6 de julho) e Ponta Delgada (9 de julho, Teatro Micaelense), depois da estreia nacional a 28, 29 e 30 de abril no Teatro Camões.
“Uma Coisa em Forma de Assim” foi o título escolhido para esta obra, baseado no livro de Alexandre O’Neill, que se trata de uma compilação de artigos previamente apresentados na imprensa escrita, como um conjunto de retalhos que os vários coreógrafos nos apresentam.
Cenário montado, luz apagada, começou o espetáculo a tempo e horas. A primeira coreografia ficou a cargo de Madalena Victorino, e contou com todos os bailarinos participantes nas restantes peças. Foi talvez o momento mais arriscado e irreverente, ao estilo da muito aclamada autora.
O segundo momento da noite ficou a cargo de Vasco Wellenkamp, talvez uma dos mais credenciados e conhecidos nomes do bailado português, com um estilo mais romântico e clássico, sempre no registo do contemporâneo, e com a excelente bailarina principal Peggy Konik. Depois seguiu-se a coreografia de Paulo Ribeiro, um favorito pessoal, e que se tornou no preferido da noite, com um corpo de quatro bailarinos, com um ambiente muito orgânico, fazendo-nos lembrar o planeta e a solidariedade que talvez deveria haver nesta fase da nossa vida.
Rui Lopes Graça, bailarino solista da companhia, coreografou a peça seguinte, com um bonito, romântico e intenso par, com destaque para a bailarina Yurina Miura. Depois tivemos uma apresentação de Francisco Camacho – uma primeira vez para mim – com um divertido e físico duo masculino. Outro dos momentos altos da noite foi a coreografia de Rui Horta, outro facciosamente preferido pessoal, com um potente solo de Marta Sobreira, conjugando várias nuances sobre o corpo, numa performance muito física, ao bom estilo do coreógrafo.
A peça imediata esteve ao cargo de Benvindo Fonseca, outro bom regresso à Terceira. Foi claro o seu sensual estilo e traço nesta romântica coreografia, bem suportada pelo bailarino principal Tomislav Petranovic. Depois foi Olga Roriz, aplaudida coreógrafa, que apresentou uma estética muito própria, qual Paula Rego da dança portuguesa. Uma mulher intensa, perdida e confusa... mas poderosamente interpretada por Isabel Galriça.
A concluir, nova coreógrafa de eleição pessoal, Clara Andermatt, e que felizmente não defraudou as expectativas, criando um final em grande, envolvendo totalmente os bailarinos Irina de Oliveira e Nuno Fernandes no instrumento central desta noite: o piano de Bernardo Sassetti.
Mesmo com os referidos preferidos pessoais, a grande capacidade física e disponibilidade emocional dos bailarinos, e os destaques para as bailarinas Marta Sobreira e Irina de Oliveira, a noite foi também muita de Bernardo Sassetti. Sempre bem recebido na ilha, onde tem um grande número de fãs, esteve sempre de corpo e alma na obra, do início ao fim, com altos e baixos de intensidade e de participação nas coreografias. Muito bom.
O público terceirense, que ocupava cerca de 3/4 da sala, soube avaliar a noite, aplaudindo efusivamente vários regressos e apresentações dos artistas, mas não culminando com uma ovação em pé, que seria exagerada na minha opinião.
Tratou-se também de um excelente momento pedagógico, pois deu-nos oportunidade de vermos trabalhos de vários coreógrafos, com diferentes estilos, tudo numa noite. Do mais romântico e clássico, ao mais irreverente e transversal, presenciámos de tudo nesta bonita e importante noite de dança na ilha Terceira.
Ao nível das expectativas do público podemos identificar aqui alguma ambivalência: para quem conhece alguns dos trabalhos dos coreógrafos presentes, ficou certamente com a vista e o coração saciados. Para quem tem menos oportunidade talvez não.
Infelizmente são apresentados um ou dois momentos de dança na ilha por ano, e nem sempre de qualidade, pelo menos pedagógica ou inovadora. Isso faz com que exista um público que gosta realmente de dança, mas que tem poucas oportunidades para assistir ao vivo a esses momentos. Talvez para esse público, este evento tenha sido um pouco descontextualizado. Mesmo assim, fica de certeza a beleza e a fisicalidade dos movimentos dos excelentes bailarinos.
Repito, uma importante noite de dança.


PS. Talvez a última passagem de Sassetti pela ilha...

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