Foi apresentado esta semana
no Auditório do Ramo Grande, numa iniciativa da Direção Regional da Cultura, o
filme “Sinfonia Imaterial”, de Tiago Pereira. Este projeto resulta de uma
encomenda feita pela Fundação INATEL, em coprodução com a Associação Pé de
Xumbo e com o apoio da referida direção regional.
O realizador Tiago Pereira,
com total liberdade criativa, fez uma longa viagem por Portugal, do Minho aos
Açores, entre março e abril deste ano, filmando exemplos de tradições musicais
e não só, conseguindo suaves e interessantes transições entre diferentes
momentos.
O filme não tem narração,
nem voz-off, nem legendas, sendo-nos apenas apresentado o local e instrumentos
a serem executados. Trata-se de uma peça, que não sendo um documentário, também
não é necessariamente ficção, mas um filme sem narrativa, que mais poderá ser
considerado um “sampling” (misturar) de momentos espontâneos de tradição
musical e cultural.
Dos Pauliteiros de Miranda a
uma senhora faialense de 91 anos a tocar guitarra portuguesa com uma firmeza e
qualidade indiscutível, são muitas as tradições e instrumentos musicais que nos
aparecem ao longo do filme, das rabecas aos adufes, das violas da terra ao
curioso “bexigoncelo”, instrumento em desuso nas tradições madeirenses, e que
consiste na utilização de uma bexiga de porco para a elaboração de um
instrumento que faz lembrar um violoncelo, mas apenas com uma corda.
Como foi também referido
pela representante do INATEL, não foram tidas em conta quaisquer preocupações
científicas, de cariz etnográfico ou musicológico, mas apenas a captação de
registos espontâneos da tradição musical hoje em dia. As filmagens são sempre
em plano fixo e enquadradas numa paisagem natural, em tascas ou em salas de
estar.
Tiago Pereira, o realizador,
de 38 anos, desde cedo se interessou por som e animação, tentando sempre aliar
o tradicional com o contemporâneo, com um objetivo bem definido: chegar à
tradição de futuro. Foi já distinguido por vários filmes, como “11 Burros Caem
no Estômago Vazio” e “Quem Canta Seus Males “Espanta”, em festivais como o
DocLisboa, Dialektus Festival (Hungria) e Ovarvídeo.
Podendo-se identificar mais
com um músico do que como realizador, os seus filmes são autênticos exemplos de
“sampling” visual e sonoro, sempre misturando o tradicional e o contemporâneo,
referindo-se inclusive a DJ Spooky, o famoso “sampler” norte-americano (que
mistura tudo, desde uma campainha de telefone a um chocalho de cabras), cujo
lema é “deem-me dois discos e dou-vos o
universo”, ou como em tom de brincadeira diz Tiago Pereira: “deem-me duas velhinhas e eu dou-vos o
universo.”
Trata-se pois de uma
interessante abordagem ao património oral português, em constante mutação e
utilização por centenas de milhares de pessoas, não se podendo no entanto
comparar a abordagens mais académicas da área da etnomusicologia e das recolhas
das tradições orais, com as principais referências portuguesas a serem
“atiradas a um canto” pelo realizador, propositadamente, imprimindo uma
linguagem mais contemporânea, na minha opinião igualmente importante.
São várias as referências
aos importantes trabalhos de Michel Giacometti, Artur Santos, Fernando
Lopes-Graça e Ernesto Veiga de Oliveira, nos anos 50, 60 e 70. Mais
recentemente são de destacar também Rui Vieira Nery, José Alberto Sardinha e
ainda Manuel Rocha (Brigada Vitor Jara). Todos estes nomes seguem uma linha de
ação que pretende estudar a música no seu contexto cultural, ou o estudo da
música como cultura, concentrando-se na forma de compreender o porquê daquela
música ser como é.
Entre exemplos de todo o
país, os Açores talvez sejam a região mais representada, começando e acabando o
filme na região. Dos foliões das várias ilhas, passando pelas cantigas ao
desafio, até ao chamamento do búzio, são vários os momentos que nos tocam mais
fundo, pois identificamo-nos automaticamente.
Um belo registo, que
provavelmente voltará a ser exibido na região.
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