Serreta,
pequena freguesia no extremo ocidental da ilha Terceira, com aproximadamente
400 habitantes, com um clima fresco, ambiente saudável e uma grande carga
mística.
Não
sou natural da Serreta, embora desde criança tenha uma relação pessoal e
familiar, que se cimentou nos últimos anos. Até o começar a pensar que lá vou
passar uns dias, entre família e amigos, em festa ou em reflexão, me
entusiasma, demonstrando já aqui o seu significado e importância.
Sentado
a meio da tarde de sexta-feira, olhando para a rua, ainda antes da grande
movimentação de gentes em torno do santuário ou da mata, escrevo algumas notas
num pequeno caderno que me trouxeram de Nova Iorque. Penso logo na distância
geográfica e cultural entre estes dois pontos, passando por conceitos como
localismo e globalização. Era já sinal da referida reflexão…
Seria
extremamente imprudente num simples artigo de opinião “falar” sobre a Serreta,
a peregrinação, o santuário, as festas e a sua gente. Mas, como muitos, pelo
facto de me impressionar imenso, desejo partilhá-la.
E
como passar a mensagem do peso ou da importância que estes dias têm? Como
explicar a magnitude de sentimentos e o orgulho que sentimos? É de facto algo
muito poderoso.
Segundo
reza a história, no fim do século XVII, um padre chamado Isidro Fagundes
Machado, em choque com a vida em sociedade, procurou refúgio na Serreta,
associando o seu desejo de isolamento com os saudáveis ares de montanha que o
local oferecia. Terá construído uma pequena ermida onde colocou uma imagem de
Nossa Senhora, numa localização diferente de onde hoje se situa o Santuário.
Já
em 1842, o local é elevado a curato, sendo transferida para a nova igreja uma
imagem de Nossa Senhora dos Milagres, e dando-se início às peregrinações, tendo
vindo a tornar-se ao longo dos anos um dos mais populares cultos religiosos nos
Açores, reunindo milhares de peregrinos, que a pé percorrem os caminhos da
ilha.
Se
para muitos é um ato de fé, numa espécie de oração em formato de promessa e
demonstração de devoção, para outros será um processo de introspeção, não
necessariamente de cariz religioso, mas pessoal. Para outros é o passeio e o
convívio, não menos importante para a nossa robustez mental.
Alguns
peregrinos optam por fazer o trajeto descalços ou carregando um número ou peso
simbólico de velas, por pagamento de promessas específicas, com um forte
sentimento de dádiva e gratidão, chegando por vezes a alcançarem os 40 ou 50
quilómetros de distância.
Se
olharmos para cada rosto vermelho e cansado que chega ao Santuário, é difícil
não pensar no peso das histórias que carregam, na importância de cumprir
determinada promessa, por amor e por devoção.
Li
algures que serão cerca de 20 mil pessoas a passarem pela Serreta nestes dias
de festa, desde os peregrinos, às touradas e ao famoso piquenique.
Aliás,
a dimensão profana das festas tem vindo a aumentar, como é disso exemplo a
proliferação de tasquinhas ao longo do percurso, onde as “donetes” e as socas
de milho se tornaram parte da festa, assim como a imagem de algumas famílias
sentadas à frente de casa observando os peregrinos.
Na
segunda-feira realiza-se a famosa toirada da praça do Pico da Serreta, tão
concorrida que o dia é considerado feriado não oficial em toda a ilha, com
tolerância de ponto concedida nas escolas e ao funcionalismo público.
Na
quarta-feira, também a toirada de corda reúne muitas pessoas na freguesia, seja
visitando antigos amigos, reconhecendo rostos com mais de 40 anos de intervalo,
ou apenas para ver os toiros. Este ano ligeiramente prejudicada por jogar o
Benfica…
Mas
o elemento emocional e espiritual continua a ser o mais importante e
significativo para as pessoas, como se presenciou após o fim da procissão de
Domingo, onde centenas cantaram a Glória, ao som das sete magníficas
filarmónicas presentes.
A
incrível sensação de partilha, de pertença a uma comunidade, sendo ou não
serretense, a um conjunto de pessoas que têm problemas, alegrias e emoções como
nós, foi de facto o clímax espiritual destes dias.
Nota: um ano passado, mantém-se e intensifica-se o sentimento.
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