quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Pelo Tempo: "Serreta – Peregrinação e Partilha" (2011-10-07)


Serreta, pequena freguesia no extremo ocidental da ilha Terceira, com aproximadamente 400 habitantes, com um clima fresco, ambiente saudável e uma grande carga mística.
Não sou natural da Serreta, embora desde criança tenha uma relação pessoal e familiar, que se cimentou nos últimos anos. Até o começar a pensar que lá vou passar uns dias, entre família e amigos, em festa ou em reflexão, me entusiasma, demonstrando já aqui o seu significado e importância.
Sentado a meio da tarde de sexta-feira, olhando para a rua, ainda antes da grande movimentação de gentes em torno do santuário ou da mata, escrevo algumas notas num pequeno caderno que me trouxeram de Nova Iorque. Penso logo na distância geográfica e cultural entre estes dois pontos, passando por conceitos como localismo e globalização. Era já sinal da referida reflexão…
Seria extremamente imprudente num simples artigo de opinião “falar” sobre a Serreta, a peregrinação, o santuário, as festas e a sua gente. Mas, como muitos, pelo facto de me impressionar imenso, desejo partilhá-la.
E como passar a mensagem do peso ou da importância que estes dias têm? Como explicar a magnitude de sentimentos e o orgulho que sentimos? É de facto algo muito poderoso.
Segundo reza a história, no fim do século XVII, um padre chamado Isidro Fagundes Machado, em choque com a vida em sociedade, procurou refúgio na Serreta, associando o seu desejo de isolamento com os saudáveis ares de montanha que o local oferecia. Terá construído uma pequena ermida onde colocou uma imagem de Nossa Senhora, numa localização diferente de onde hoje se situa o Santuário.
Já em 1842, o local é elevado a curato, sendo transferida para a nova igreja uma imagem de Nossa Senhora dos Milagres, e dando-se início às peregrinações, tendo vindo a tornar-se ao longo dos anos um dos mais populares cultos religiosos nos Açores, reunindo milhares de peregrinos, que a pé percorrem os caminhos da ilha.
Se para muitos é um ato de fé, numa espécie de oração em formato de promessa e demonstração de devoção, para outros será um processo de introspeção, não necessariamente de cariz religioso, mas pessoal. Para outros é o passeio e o convívio, não menos importante para a nossa robustez mental.
Alguns peregrinos optam por fazer o trajeto descalços ou carregando um número ou peso simbólico de velas, por pagamento de promessas específicas, com um forte sentimento de dádiva e gratidão, chegando por vezes a alcançarem os 40 ou 50 quilómetros de distância.
Se olharmos para cada rosto vermelho e cansado que chega ao Santuário, é difícil não pensar no peso das histórias que carregam, na importância de cumprir determinada promessa, por amor e por devoção.
Li algures que serão cerca de 20 mil pessoas a passarem pela Serreta nestes dias de festa, desde os peregrinos, às touradas e ao famoso piquenique.
Aliás, a dimensão profana das festas tem vindo a aumentar, como é disso exemplo a proliferação de tasquinhas ao longo do percurso, onde as “donetes” e as socas de milho se tornaram parte da festa, assim como a imagem de algumas famílias sentadas à frente de casa observando os peregrinos.
Na segunda-feira realiza-se a famosa toirada da praça do Pico da Serreta, tão concorrida que o dia é considerado feriado não oficial em toda a ilha, com tolerância de ponto concedida nas escolas e ao funcionalismo público.
Na quarta-feira, também a toirada de corda reúne muitas pessoas na freguesia, seja visitando antigos amigos, reconhecendo rostos com mais de 40 anos de intervalo, ou apenas para ver os toiros. Este ano ligeiramente prejudicada por jogar o Benfica…
Mas o elemento emocional e espiritual continua a ser o mais importante e significativo para as pessoas, como se presenciou após o fim da procissão de Domingo, onde centenas cantaram a Glória, ao som das sete magníficas filarmónicas presentes.
A incrível sensação de partilha, de pertença a uma comunidade, sendo ou não serretense, a um conjunto de pessoas que têm problemas, alegrias e emoções como nós, foi de facto o clímax espiritual destes dias.

Nota: um ano passado, mantém-se e intensifica-se o sentimento.

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