Este ano a Culturangra decidiu homenagear o Teatro Popular nas celebrações do Dia Mundial do Teatro (no passado 27 de março), mais precisamente, as Danças de Carnaval, numa mesa redonda intitulada “O Fenómeno do Teatro Popular na Ilha Terceira”, que decorreu no Pequeno Auditório do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo.
Cerca de 40 pessoas
assistiram a este interessante e importante momento de reflexão e troca de
informações sobre as danças de carnaval, fenómeno de uma dimensão muito
representativa na nossa sociedade.
A mesa redonda contou com a
presença de Álamo Oliveira, Alcino Ornelas e João Mendonça, sendo que Eduarda
Reis, também convidada, não pode estar presente por motivos de saúde.
Após a leitura de um breve
texto relativo ao Dia Mundial do Teatro, da autoria de John Malkovich, a
primeira intervenção da noite coube ao escritor Álamo Oliveira, que traçou uma
importante e clara perspetiva histórica da origem e evolução das danças de
carnaval nos Açores e na Terceira, salientando que “as danças e bailinhos de Carnaval ganharam já um estatuto de
acontecimento que não pode ser ignorado, porque a sua importância cultural faz
parte dos elementos identificadores da personalidade da Terceira.”
Ao nível da sua origem,
referiu a importância quer do teatro grego, quer de Gil Vicente, apontando
elementos que ainda hoje são identificáveis como oriundos desses tipo de
teatro, como é disso exemplo a divisão por atos ou o gosto lírico pela poesia e
verso – algo incontornável nas danças de carnaval.
Existem referências desde
1622, referiu ainda Álamo Oliveira, da existência de danças incorporadas em
cortejos de jesuítas ou procissões do Corpus Christi, com um sentido muito
diferente do que existe atualmente, e que seria comum a todas as ilhas da
região, sendo que atualmente apenas na Terceira permanecem, pelo menos com este
vigor e dinâmica.
Depois abordou o que se pode
considerar a estrutura básica de uma dança de carnaval, que obedece a certos
elementos fixos, e que sustentam a sua própria forma: marcha, saudação, assunto
e despedida. No que diz respeito à história mais recente das danças, realçou o
impacto que o 25 de abril teve, promovendo melhor educação, a presença de cada
vez mais mulheres em palco ou a generalização da televisão, o que levou a que o
gosto do público se diversificasse. Assim, o público tornou-se mais exigente, e
decorreu uma reação natural de tentar “evoluir”, embora se deva ter cuidado,
pois existem riscos de não se cumprirem certas regras e descaracterizar uma
tradição.
Considera que evoluiu e
muito, a qualidade dos atores, dos encenadores e dos autores dos textos,
correspondendo à exigência referida, e terminou realçando e louvando a
importância do trabalho do investigador José Orlando Bretão.
De seguida interveio João
Mendonça, autor e participante em danças, que este ano escreveu 3 danças de
espada e 18 bailinhos! Destacou as dificuldades que passavam há umas décadas
atrás, onde as danças não tinham este nível de produção atual, usando a roupa
que encontravam em casa ou os sapatos emprestados da filarmónica.
Em relação à evolução,
positiva ou negativa, das danças, refere também a importância da subida do
nível de educação da população, assim como a mistura que decorreu após 1974
entre mundo rural e mundo urbano, no que diz respeito às danças.
Referiu o facto de que
escrever bailinhos cómicos é muito mais difícil do que escrever tragédias e
danças de espada, e considera que atualmente só existem “bailinhos de
pandeiro”, pois todas as vertentes das danças se misturaram, e a forma dos
mestres dançarem mudou.
Outro aspeto que muita
influência teve na evolução das danças foi o aparecimento de novos instrumentos
musicais, principalmente devido às escolas de música das várias sociedades da
ilha e das respetivas filarmónicas, assim como do próprio Conservatório. Tem em
consideração também o efeito oposto, ou seja, o facto de os jovens quererem
aprender música por causa das danças, e inscrevem-se nas filarmónicas.
Outro aspeto, talvez menos
conhecido do público em geral, é o fenómeno das danças de carnaval na diáspora,
onde as tradições se encontram ainda num estado mais “puro”, mais preservadas.
Embora tenham todos os presentes nesta mesa redonda, uma sensação de que podem
estar em risco, à exceção de uma ou outra comunidade, defendem que o fenómeno é
ainda uma das principais fontes de divulgação da língua portuguesa na
comunidade açoriana emigrada.
Um dos temas mais presentes
este ano, e que esperemos para o ano alimente alguns enredos, é a questão da
transmissão online das danças e em
direto. Poderá existir uma predileção por parte das danças em atuarem em salões
que tenha a dita transmissão, pois abrangem um público maior, o que origina que
outros espaços fiquem “às moscas”,
segundo João Mendonça, que propõe a criação de uma associação que defenda os
direitos das danças, começando por definir que deve ser uma opção das danças
darem ou não autorização para serem filmados. Sugere ainda, com vista a
combater a diminuição de público nos salões (algo que todos os presentes
concordaram estar a suceder), muito mais agora com “mais um dia “ de carnaval,
a criação de percursos e com horários definidos, para que todas as danças
passem por todos os salões (ou o máximo possível).
O moderador depois a passou
a palavra a Alcino Ornelas, também autor e
participante em danças, já há 56 anos! Este ano ficou em casa, “para ver o que os outros faziam.” Na sua
opinião as danças estão a fugir muito à tradição, como é exemplo o número
elevado de participantes, por vezes mais de 40 pessoas. Conciso, humilde e
sempre mordaz, concluiu que “se pusermos
2 cordas ou 20 pastores num toiro não é tradição!”, numa crítica clara à
evolução por evolução.
O tema seguinte, apresentado
pelo moderador Paulo Cardoso (vogal do Conselho de Administração da
Culturangra) foi sobre os “bailinhos da terceira idade”, que Álamo Oliveira
argumentou que de “terceira idade tem
cada vez menos (…) mas que abrem o apetite, mas de uma maneira séria”,
realçando a importância do convívio intergeracional, e deixando bem claro que “não percebo nada de danças, gosto é muito!”
Em relação a outro tema
lançado pelo moderador, sobre a perca de espaço das danças de espada no
carnaval terceirense, João Mendonça afirma que os jovens preferem nitidamente a
comédia, e que “não tem paciência para
estar uma hora sem fazer nada”, referindo-se aos dançarinos das alas de uma
dança de espada. Segundo Álamo Oliveira, este tipo de dança não soube evoluir
como os bailinhos, dão muito trabalho, duram muito tempo e geralmente ficavam
mais caros. No entanto, acha que existe espaço ainda para evolução,
nomeadamente no assunto e na apresentação, destacando pela positiva a dança das
Lajes deste ano.
Curiosamente, o primeiro
interveniente do público foi um dos responsáveis pela dança referida acima,
José Gabriel, que devolveu merecidamente o galhardete, pois colocou Álamo
Oliveira ao mesmo nível que José Orlando Bretão na importância do seu trabalho
e dedicação às danças de carnaval. De seguida realçou a importância que um workshop realizado este ano na Praia da Vitória
teve para a elaboração da sua dança, assim como deu a boa notícia que para o
ano de 2013 sairão 4 ou 5 danças de espada de várias freguesias da Terceira, de
certa maneira inspirados pela dança das Lajes.
Também concorda com uma
melhoria na organização do Carnaval, centralizada na Direção Regional da
Cultura e nas Câmaras Municipais, assim como uma melhor promoção e divulgação
das danças, por exemplo, por parte da SATA, criando voos nesta época entre a
Terceira e o Canadá e Estados Unidos.
Após mais algumas
intervenções ao público, foi solicitado ao Sr. Alcino que, enquanto espetador,
fizesse um balanço ao Carnaval de 2012, ao que este resumiu no seguinte: está
de facto muito diferente desde os seus tempos de criança, e a fugir muito à
tradição, apontado muitas rimas mal feitas, más escolhas de personagens, o que
origina muita dança fraca, mas como sabe que dá sempre muito trabalho, respeita
todos.
Muito mais foi dito e
discutido, mas tentei realçar os aspetos menos referidos habitualmente, pois
todos somos um pouco “críticos” do nosso carnaval. É sempre importante e
produtivo a realização de eventos deste género, principalmente sobre o que se considera
uma das mais importantes manifestações culturais da Terceira, e no caso das
danças de dia (ou de espada), em risco de extinção.
As grandes conclusões, numa
perspetiva de alterações a realizar com vista a uma evolução positiva das
danças de carnaval são a realização de mais workshops
(a apoio a algumas danças por parte dos mais experientes), a realização de mais
e melhor promoção do evento em si, a criação de voos entre a diáspora e a
terceira durante o Carnaval, e a criação de uma organização associativa que
defenda os interesses das danças de carnaval e as organize.
Não são certamente as únicas
ideias que aparecerão durante esta fase em que “apenas” se fala do Carnaval,
enquanto esperamos por 2013, nem serão provavelmente unânimes.
Mas são um ponto de partida,
principalmente, para a defesa das danças de carnaval, característica tão
profunda da nossa identidade cultural. Para acabar, como dizem nas danças, “perdoem-me se algum nome omiti, ou se sem
querer alguém ofendi”.
PS. Estão quase aí, com as polémicas do costume, as várias opiniões, mas acima de tudo, a identidade cultural, as bifanas, o frio, o cansaço, etc...
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