Ao receber, via facebook, o convite para a exibição do filme “Ana Vieira: e o que não é visto”, pelo 9500 Cine Clube, reavivei a minha memória em relação ao magnífico trabalho da artista “açoriana” Ana Vieira.
Estreado este ano, e realizado por Jorge Silva Melo, o filme surge após a exposição “Muros de Abrigo”, na Fundação Gulbenkian, e segue a artista durante mais de um ano, contando o processo da organização da exposição.
Tomei contacto com o trabalho de Ana Vieira pela primeira vez em 2004, com um projeto que ainda hoje me habita o pensamento, intitulado “Casa Desabitada”. Tratou-se de uma instalação múltipla numa casa desabitada e devoluta, na Rua Ivens, nº56, 3º esquerdo, Lisboa. Entre 8 de maio e 6 de junho de 2004, a lógica era a casa ter um aspeto de ser habitada, de acordo com a artista, enquanto o visitante sentia-se sempre um voyeur. Consistia de várias instalações sonoras e vídeo, como por exemplo, uma voz que dizia aos visitantes para saírem da casa, tipo voz de anúncio de aeroporto ou uma discussão entre marido e mulher. Ainda hoje é uma das memórias mais presentes que tenho de intervenções artísticas a que tenha assistido.
Ana Vieira nasceu em Coimbra, em 1940, e depois de passar a infância e adolescência em São Miguel, mudou-se para Lisboa com vista a estudar Pintura na Escola Superior de Belas Artes (1964).
O seu percurso não seria a pintura, mas sim a construção de espaços, sensações e emoções, como que num cenário ou simulação da realidade a três dimensões. Vivendo sempre em Lisboa, são muitos anos de trabalho e de uma carreira que penso não ter sido merecidamente reconhecida. Talvez seja apenas facciosismo açoriano, talvez seja “apenas” admiração por um trabalho poético e interventivo de qualidade!
Acabou por se estabelecer no terreno da instalação, termo sempre algo suspeito para quem anda mais distanciado da contemporaneidade, mas é o que melhor define o trabalho de Ana Vieira. Fez vários trabalhos na área da cenografia e construção de figurinos para teatro, assim com trabalhos em museus, onde estava sempre presente a manipulação de objetos tridimensionais, como em toda a sua poética obra.
No seu percurso já foi reconhecida diversas vezes, destacando-se a 1ª Bienal dos Açores e do Atlântico, o concurso Dyrup/Cidade de Lisboa, e o prémio da crítica portuguesa AICA/SEC. A Fundação de Serralves dedicou-lhe a sua primeira exposição antológica em 1998, e entre 2010 e 2011, o Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, em colaboração com o Museu Carlos Machado de Ponta Delgada, apresentaram a maior retrospetiva na carreira da artista plástica.
Encontra-se representada em coleções como das já referidas Centro de Arte Moderna e Fundação Serralves, Coleção Berardo, Musée Cantonal des Beaux-Arts (Suiça) e Fundação EDP, entre outras.
Mas foi a exposição “Muros de Abrigo” que a trouxe de volta, pelo menos à comunicação social, proporcionando-lhe alguma visibilidade merecida. Com curadoria de Paulo Pires do Vale, esteve patente na Gulbenkian entre janeiro e março de 2011, e tratou-se de uma visita ao vasto trabalho e poética de Ana Vieira, desde os anos 60 até ao presente.
O título refere-se à sua memória de infância, quando se dirigia para os muros de abrigo (para proteção da vinha) na quinta dos seus pais, em São Miguel, abrindo portas umas atrás das outras para lá chegar.
Aliás, as referências a muros, portas e janelas são recorrentes na obra de Ana Vieira, estando sempre presentes nos ambientes que cria. Pega em objetos simples, e confere-lhes uma estranheza e poder, que se tornam impertinentes, incomodativos até. E é isso um bom trabalho artístico, questionando, incomodando, ou como se diz recorrentemente nos Açores, inquietando!
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