Existem certos filmes que
demoramos a ver, por várias razões: falta de oportunidade nos cinemas; falta de
companhia; ou mesmo porque temos ideia que não nos apetece naquele dia ver algo
triste…
Aconteceu-me com “O
Visitante” (“The Visitor”), do jovem realizador Thomas McCarthy, com a sua
segunda longa-metragem, após “A Estação” (“The Station Agent”, outro que
demorei a ver…).
Conta a história de Walter
Vale, um professor universitário que reside numa pacata cidade, numa vida
descontente, sobre quem pesa muito a morte da mulher, a sua grande razão de
viver. Passa as noites a com um copo de vinho e ouvir música clássica, alguma
dela gravada pela falecida mulher, pianista profissional. Por motivos
académicos, vê-se obrigado a deslocar-se a Nova Iorque a uma conferência.
Ao chegar ao seu apartamento
de cidade, depara-se com dois inquilinos ilegais a residirem no local: Tarek e
Zainab, ele sírio-palestino e ela senegalesa, que julgavam estar a alugar
legalmente o apartamento, tendo sido enganados por um amigo duvidoso. Nervosos
e envergonhados com a situação, saem do apartamento para passar a noite na rua,
ao que o professor lhes oferece estadia provisória enquanto não arranharem
outro local para pernoitar. Começa a estória.
Walter, o professor, é um
personagem distante, triste e que depende de rotinas para passar o dia. Cria
uma improvável amizade com Tarek, pois é um virtuoso tocador de djembé (tambor
africano), e começa a dar aulas a Walter, um apaixonado por música.
Num ridículo incidente ao
entrar numa estação de metro, Tarek é preso e dá-se início a um injusto
processo de deportação, que sem entrar em políticas, aborda a arbitrária
atuação da imigração americana, ainda fortemente influenciada pelos
acontecimentos de 11 de setembro de 2001. Walter contrata então um advogado
para ajudar Tarek, ao mesmo tempo que vai criando amizade com a mãe deste,
abruptamente interrompida com a deportação do sírio para África.
Este magnífico puzzle de
emoções levou à nomeação de Richard Jenkins (o professor) para o Óscar de
melhor ator em 2008, assim como a nomeação para vários prémios do realizador e
argumentista já referido. Filmado em Nova Iorque, símbolo de globalização e
mistura de culturas, é um filme que demonstra claramente o poder de inclusão e
integração que a música e a arte em geral possuem.
A música enquanto linguagem
universal, parece romper todas as barreiras, abrir os corações, enquanto um
conjunto de homens tocam djembé num improvisado semicirculo em pleno Central
Park, com americanos, africanos, hispânicos e outros, todos juntos, a
partilharem um ritmo que quase faz lembrar o bater do coração humano…
E pela música chegamos à
banda sonora do filme, fortemente influenciada pelo som de Fela Kuti, o grande
pioneiro da música afrobeat, ativista político e grande humanista. Falecido já
em 1997, Fela Kuti deixou de facto uma grande herança em várias áreas, da
música à política, do estilo à atitude. Nascido na Nigéria, muda-se para
Londres em 1958 para estudar medicina, mas acabou por seguir música, onde
formou os Koola Lobitos, desenvolvendo o início do que veria a ficar conhecido
como afrobeat, mistura de jazz, rock psicadélico e cantos tradicionais
africanos.
Em 1963 regressa à Nigéria,
onde trabalhou na rádio, mas a música era a sua paixão. Em 1969 viajou com a
sua banda para os Estados Unidos, onde influenciado pelo movimento dos Black
Panthers, muda o nome da banda para “Nigeria 70”, tendo sido posteriormente
“convidados” a regressar a África por não terem licença de trabalho…
Durante várias décadas teve
um percurso de luta e combate ao poder instalado na Nigéria, tendo sido preso,
espancado, a sua casa e estúdio queimados e tentado inclusive candidatar-se à
presidência, o que nunca foi permitido. O seu verdadeiro poder era a sua
extremamente popular música, o que assustava os políticos.
Já com várias dezenas de
álbuns gravados, nos anos 90 diminui a sua intensidade, e em agosto de 1997
morre vítima de Sarcoma de Kaposi, causado por AIDS. Ao seu funeral assiste
mais de um milhão de pessoas.
É quase impossível
quantificar o impacto que o trabalho de Fela Kuti teve no conceito global de
música, assim como ao nível político, comparado por vezes a Bob Marley pela sua
popularidade. Embora nunca tenha atingido grande sucesso de vendas na Europa e
América durante a sua vida, nos últimos anos tem sido reeditados vários álbuns,
disponibilizando assim muito do seu importante trabalho, que também continua
vivo no seu filho, Femi Kuti, fazendo juz ao legado do pai, com um explosivo
talento.
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