segunda-feira, 23 de julho de 2012

Pelo Tempo: "O Poder da Música" (2011-04-17)


Existem certos filmes que demoramos a ver, por várias razões: falta de oportunidade nos cinemas; falta de companhia; ou mesmo porque temos ideia que não nos apetece naquele dia ver algo triste…
Aconteceu-me com “O Visitante” (“The Visitor”), do jovem realizador Thomas McCarthy, com a sua segunda longa-metragem, após “A Estação” (“The Station Agent”, outro que demorei a ver…).
Conta a história de Walter Vale, um professor universitário que reside numa pacata cidade, numa vida descontente, sobre quem pesa muito a morte da mulher, a sua grande razão de viver. Passa as noites a com um copo de vinho e ouvir música clássica, alguma dela gravada pela falecida mulher, pianista profissional. Por motivos académicos, vê-se obrigado a deslocar-se a Nova Iorque a uma conferência.
Ao chegar ao seu apartamento de cidade, depara-se com dois inquilinos ilegais a residirem no local: Tarek e Zainab, ele sírio-palestino e ela senegalesa, que julgavam estar a alugar legalmente o apartamento, tendo sido enganados por um amigo duvidoso. Nervosos e envergonhados com a situação, saem do apartamento para passar a noite na rua, ao que o professor lhes oferece estadia provisória enquanto não arranharem outro local para pernoitar. Começa a estória.
Walter, o professor, é um personagem distante, triste e que depende de rotinas para passar o dia. Cria uma improvável amizade com Tarek, pois é um virtuoso tocador de djembé (tambor africano), e começa a dar aulas a Walter, um apaixonado por música.
Num ridículo incidente ao entrar numa estação de metro, Tarek é preso e dá-se início a um injusto processo de deportação, que sem entrar em políticas, aborda a arbitrária atuação da imigração americana, ainda fortemente influenciada pelos acontecimentos de 11 de setembro de 2001. Walter contrata então um advogado para ajudar Tarek, ao mesmo tempo que vai criando amizade com a mãe deste, abruptamente interrompida com a deportação do sírio para África.
Este magnífico puzzle de emoções levou à nomeação de Richard Jenkins (o professor) para o Óscar de melhor ator em 2008, assim como a nomeação para vários prémios do realizador e argumentista já referido. Filmado em Nova Iorque, símbolo de globalização e mistura de culturas, é um filme que demonstra claramente o poder de inclusão e integração que a música e a arte em geral possuem.
A música enquanto linguagem universal, parece romper todas as barreiras, abrir os corações, enquanto um conjunto de homens tocam djembé num improvisado semicirculo em pleno Central Park, com americanos, africanos, hispânicos e outros, todos juntos, a partilharem um ritmo que quase faz lembrar o bater do coração humano…
E pela música chegamos à banda sonora do filme, fortemente influenciada pelo som de Fela Kuti, o grande pioneiro da música afrobeat, ativista político e grande humanista. Falecido já em 1997, Fela Kuti deixou de facto uma grande herança em várias áreas, da música à política, do estilo à atitude. Nascido na Nigéria, muda-se para Londres em 1958 para estudar medicina, mas acabou por seguir música, onde formou os Koola Lobitos, desenvolvendo o início do que veria a ficar conhecido como afrobeat, mistura de jazz, rock psicadélico e cantos tradicionais africanos.
Em 1963 regressa à Nigéria, onde trabalhou na rádio, mas a música era a sua paixão. Em 1969 viajou com a sua banda para os Estados Unidos, onde influenciado pelo movimento dos Black Panthers, muda o nome da banda para “Nigeria 70”, tendo sido posteriormente “convidados” a regressar a África por não terem licença de trabalho…
Durante várias décadas teve um percurso de luta e combate ao poder instalado na Nigéria, tendo sido preso, espancado, a sua casa e estúdio queimados e tentado inclusive candidatar-se à presidência, o que nunca foi permitido. O seu verdadeiro poder era a sua extremamente popular música, o que assustava os políticos.
Já com várias dezenas de álbuns gravados, nos anos 90 diminui a sua intensidade, e em agosto de 1997 morre vítima de Sarcoma de Kaposi, causado por AIDS. Ao seu funeral assiste mais de um milhão de pessoas.
É quase impossível quantificar o impacto que o trabalho de Fela Kuti teve no conceito global de música, assim como ao nível político, comparado por vezes a Bob Marley pela sua popularidade. Embora nunca tenha atingido grande sucesso de vendas na Europa e América durante a sua vida, nos últimos anos tem sido reeditados vários álbuns, disponibilizando assim muito do seu importante trabalho, que também continua vivo no seu filho, Femi Kuti, fazendo juz ao legado do pai, com um explosivo talento.

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