Podemos generalizar que, em jornalismo, a crítica cumpre uma função de comentário sobre um determinado tema, geralmente sobre a esfera artística, tendo por objetivo informar o leitor não só da existência ou ocorrência do evento, mas também fazendo uma avaliação sobre esse momento.
Em meios de grande impacto da economia da cultura, como grandes cidades produtoras, podem os críticos ser o início ou o fim da carreira de um artista, com o poder das suas palavras.
Os críticos de arte geralmente criticam os trabalhos num contexto de estética e da teoria da beleza, sendo um dos seus objetivos principais a perseguição de uma base racional para a apreciação da arte em geral.
Já no distante ano de 2005, realizou-se um colóquio sobre jornalismo cultural na ilha Terceira, intitulado “A Cultura Depois da Notícia”, numa iniciativa da Casa da Cultura da Terceira e do IAC (Instituto Açoriano da Cultura), no Palacete Silveira e Paulo, sob a égide da Direção Regional da Cultura. Contou com os convidados José Manuel Rodrigues e Luciana Leiderfarb, duas individualidades com muito para partilhar nas lides do jornalismo cultural, ao que atenderam vários profissionais da comunicação social, numa lógica da promoção da discussão pública em domínios diversos da atividade criativa com impacto social.
Infelizmente, a questão que motivou a realização deste colóquio continua atual, nomeadamente, a constatação de que não existe uma cobertura justa dos imensos eventos de cariz cultural que acontecem na região, ou mais especificamente, na Terceira e em São Miguel.
Se existe de facto uma boa divulgação, que provavelmente depende mais dos promotores dos eventos do que da comunicação social per si, assim como consegue existir alguns episódios de notícia sobre o evento decorrido, raramente acontece com uma perspetiva de jornalismo cultural ou crítica artística.
Não podemos exigir aos nossos órgãos de comunicação social, principalmente com as grandes dificuldades que passam, que tenham nos seus quadros jornalistas especializados e qualificados nesta área em particular. Mas pode e deve haver uma discussão pública sobre o assunto, uma estratégia que leve à correção desta lacuna, e mesmo um espírito de missão com uma lógica de formação de profissionais também neste sentido, e não apenas com esta especialidade.
O evento cultural, e aliás, todo o processo criativo, depende também da boa cobertura jornalística, quer com a componente de divulgação, valorização do trabalho, e discussão da sua importância social.
Torna-se necessário aqui um pequeno parêntesis, pois a área cultural sofre muito do seguinte problema: todos julgam que percebem de arte e de cultura! Mas a arte e cultura não são só entretenimento, esse sim de cariz popular e destinado a divertir, socializar e envolver as pessoas. Como todas as áreas profissionais do mundo, exige muito conhecimento, formação, experimentação e, acima de tudo, contacto com os profissionais, os artistas e o seu trabalho.
Assim, não se pode obrigar a um jornalista, credenciado ou estagiário, que vá assistir a uma peça de dança contemporânea e consiga escrever um texto quase de caráter ensaísta, ou pelo menos, com conteúdo crítico, pois não tem conhecimento sobre o que ali se passou: não está habituado a ver espetáculos de dança; não conhece o coreógrafo nem os bailarinos, e provavelmente nem terá muita vontade de ir assistir ao evento…
Deve-se dar início a um hábito de assistência aos eventos da nossa ilha e região, começando a perceber o mundo específico das artes, talvez com algum estagiário, como referido acima, desenvolvendo conhecimento e apetite pela discussão.
Poderá também, se necessário, recorrer-se ao apoio das entidades competentes, numa saudável parceria com a sociedade civil e órgãos de comunicação social, não esquecendo as redes sociais e os blogues, talvez os principais produtores do que se poderá chamar uma crítica cultural atualmente nos Açores. Mais recentemente tem aparecido alguns textos com muita qualidade em alguns jornais da região, principalmente em São Miguel, inserido talvez na crescente dinâmica cultural tem atingido em Ponta Delgada nos últimos 10 anos.
Não é fácil definir “jornalismo cultural”, mesmo em termos académicos e discussão entre profissionais raramente se chegarão a conclusões fortes, embora existam algumas tendências e percursos a destacar nos principais órgãos de comunicação social.
A televisão domina em todas as áreas, com um efeito devastador para a imprensa, geralmente mais minuciosa nesta área de intervenção e sem hipóteses de concorrência ao nível do impacto da publicidade. Mesmo assim podemos destacar alguns casos da imprensa escrita, como os suplementos “Y” e “Mil Folhas” do jornal Público, ou o “DNA” do Diário de Notícias, entre outros. A principal referência nacional vai obviamente para o Jornal de Letras, resistindo desde 1981 como o único jornal exclusivo ao tema da cultura, embora a sua qualidade seja exceção, pois assiste-se genericamente a uma aproximação crescente entre puro jornalismo cultural (informação e opinião) com a promoção do evento em questão.
A lógica dos “press-releases” (ou comunicados de imprensa) comanda a lógica atual da informação cultural, encontrando-se os órgãos de comunicação social subordinados à agenda de eventos e às indústrias culturais, numa clara atitude de divulgação – o que não é mau, mas está longe de ideal.
Nos Açores existe apenas um jornal também exclusivamente dedicado à cultura, o Feedback 100%, mas gostaria de destacar, numa perspetiva mais específica do mundo das artes, a revista Fazendo (Associação Cultural Fazendo, Horta) e a fanzine TRANSFORM│AR.TE (Associação Cultural Burra de Milho, Angra do Heroísmo).
Queria para concluir, voltar a referir a importância dos blogues neste movimento de discussão artística e desenvolvimento social, assim como fazer as obrigatórias referências históricas e institucionais à Revista Atlântida (Instituto Açoriano de Cultura) e aos Boletins do Instituto Cultural de Ponta Delgada e Núcleo Cultural da Horta.
Miguel Rosa Costa
http://aviventar.blogspot.pt/