Por mais do que uma vez
utilizei esta espaço com textos sobre a ligação entre direitos humanos e arte,
mais especificamente sobre o realizador iraniano Jafar Panahi. Existe uma certa
lógica nesta relação, pois não é a essência da arte um grito de revolta? Seja
percecionada como bela ou não, mas existe uma mensagem, algo a constatar ou
alertar.
O mais recente caso que tem
alertado a comunidade artística internacional, e não só, refere-se ao fabuloso
artista plástico chinês Ai Weiwei. Nascido em 1957, é o mais prolífico artista
e activista chinês da actualidade, percorrendo desde a arquitectura ao cinema,
sempre com um pendor de crítica social, atacando o governo chinês sobre
questões óbvias de democracia e direitos humanos.
Estudou cinema da Academia
de Cinema de Pequim, e depois viveu uns anos nos Estados Unidos, até 1993,
passando pela Parsons School of Design, sempre criando arte bastante
conceptual, alterando objectos banais, como vasos ou jarros.
Regressa à China devido a
doença do pai, e logo começa a estabelecer uma nova vaga de modernismo
artístico, criando primeiro uma espécie de East Village em Pequim e depois
publicando três livros sobre a nova geração de artistas chineses. Desde então
tem sido muita a sua produção, desde a criação de empresas de design e
arquitectura, até a um arquivo de arte contemporânea chinesa.
Já expôs por todo o mundo,
em todas as instituições de referência, assim como em todas as bienais de
renome, como Veneza e São Paulo e na Documenta. Aliás, a sua participação nesta
última, o principal evento mundial de arte contemporânea, em 2007, é
significativo da sua criatividade: espalhou por todo o espaço da exposição 1001
cadeiras antigas chinesas, e construiu uma estrutura no exterior com 1001
portas recuperadas de casa das dinastias Ming e Qing. Depois trouxe 1001
pessoas consigo da China para uma pequena cidade alemã, recrutadas pela
internet. Criou as roupas e malas para usarem, e a lógica era circularem pela
cidade durante três meses, enquanto habitavam numa antiga fábrica têxtil,
também recuperada e redesenhada por Ai Weiwei.
As suas imagens mais
mediáticas, são os vasos, tipo dinastia Ming, pintados com o logótipo da
Coca-Cola, assim como a sua instalação “Sunflowers Seeds” (Sementes de
Girassóis), na renomeada Tate Gallery em Londres, em Outubro de 2010. Esta
última consistia em cem mil sementes de girassol feitas em porcelana, pintadas
à mão por 1600 artesãos chineses, espalhados por uma vasta área da galeria,
solicitando mesmo aos visitantes que andassem e rolassem por cima das sementes,
com vista a experimentarem e contemplarem a essência dos seus comentários sobre
o consumo de massas, indústria chinesa, fome e trabalho colectivo. Em Fevereiro
de 2011 venderam-se 100 quilos de sementes por cerca de 600 mil euros, na Sotheby’s
de Londres, muito acima do esperado!
Depois de várias detenções e
ataques, foi preso novamente em Abril deste ano, supostamente por não ter pago
os impostos relativos a uma empresa de arquitectura que possui. Durante uma
semana nem a sua família soube onde se encontrava.
É óbvio que o seu trabalho é
provocatório, e num país como a China acabaria por ser preso mais cedo ou mais
tarde. Mas a resposta internacional foi imensa, a começar pela organização da
campanha “Libertem Ai Weiwei” através de arte de rua, dando origem a centenas
de grafitis por todo o mundo exigindo a sua libertação, até à colocação de uma
grande faixa pela própria Galeria Tate, à condenação do acto pela União
Europeia e Governo dos Estados Unidos.
A comunidade internacional
mobilizou várias petições e movimentos, tendo sido a mais simbólica a “1001
Cadeiras para Ai Weiwei”, onde a 17 de Abril artistas de todos o mundo foram
convidados a levarem cadeiras para a frente de embaixadas e consulados chineses
por todo o planeta.
Assim, a 22 de Junho, as
autoridades chinesas libertaram finalmente Ai Weiwei, sobre caução, e
encontrando-se proibido de sair de Pequim por um ano. Ficou também inibido de
utilizar a internet e em particular as redes sociais, algo que… mal teve
oportunidade, não cumpriu. Recentemente, via Twitter, garantiu ter sido detido
ilegalmente, e apenas pelas suas opiniões. Foram apenas três mensagens, pois
esta rede encontra-se proibida na China, e é necessário furar o sistema para
ter acesso. Nelas, descreve o estado de alguns colegas na prisão, denunciando
os danos e torturas a que são sujeitos.
É sem dúvida curiosa a
utilização de materiais com referências tanto antigas por parte deste artista,
como os vasos da dinastia Ming, pois em pleno século XXI continuam a haver
atropelos desta dimensão no que diz respeito aos direitos humanos e liberdade.
Sabemos que a China é um caso bicudo (sem segundas intenções), mas cada um à
sua maneira tem de tentar agir com vista ao fim destas situações.
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